Edições Mortas, 2022
Paginação, Notas e Anotações: Ezequiel Nunes
Capa e Contracapa: César Figueiredo (a partir de uma gravura de Cornelis Galle)
Ilustrações Interiores: DeCésar (a partir de street art (Pizarrales, Salamanca) de David de la Mano e Pablo S. Herrero)
ISBN: 978-989-33-3374-7
Depósito Legal: 500723/22
211 exemplares
105×148 mm | 64 páginas
€12
Comprar: Livraria Utopia | Flâneur | Almedina
Distribuição: Maldoror
Concebido originalmente como parte integrante da obra multimédia “Inutilidades Domésticas” apresentada nos Encontros com o Maldito, organizados por A. Dasilva O. em colaboração com o grupo de teatro Contracena, na cidade do Porto em 1998, e posteriormente publicado no ano seguinte, como ensaio, no número 9 da Revista Utopia, Apocalipse de Carlos César Pacheco conhece agora uma “nova vida” pelas Edições Mortas, quase vinte e cinco anos após a sua primeira aparição.
Descrevendo-se como «manuscrito do Mar Morto, datado do século I-II a.C. […] encontrado por Carlos César Pacheco nas profundezas do seu cérebro», este texto que se requer na linhagem «explorada pela “ignorância invencível” de vários autores, desde Thomas More (Utopia) ao Padre António Vieira (Clavis Prophetarum), entre alguns outros (e.g., Zamyatin, Huxley, Orwell)», resistiu à sua republicação.
Rui Miguel Ribeiro, 2022
Apresentação no Porto
Centro Comercial de Cedofeita
Apresentação/revelação
do livro “Apocalipse, uma Distopia sobre o Presente“, por Rui Miguel Ribeiro
A. Dasilva O., performance;
com a participação de
César Figueiredo
30 de Julho de 2022, Sábado
17h30 (no átrio do piso inferior)
Apresentação em Lisboa
Livraria Tigre de Papel
Apresentação do livro “Apocalipse, uma Distopia sobre o Presente“, por Rui Miguel Ribeiro
Segunda-feira, 11 de Julho de 2022, às 18h30
Concebido originalmente como parte integrante da obra multimédia “Inutilidades Domésticas” apresentada nas Conferências do Maldito, organizadas A. Dasilva O. na cidade do Porto em 1998, e posteriormente publicado no ano seguinte, como ensaio, no número 9 da Revista Utopia, Apocalipse de Carlos César Pacheco conhece agora uma “nova vida” pelas Edições Mortas, quase vinte e cinco anos após a sua primeira aparição.
Descrevendo-se como «manuscrito do Mar Morto, datado do século I-II a.C. […] encontrado por Carlos César Pacheco nas profundezas do seu cérebro», este texto que se requer na linhagem «explorada pela “ignorância invencível” de vários autores, desde Thomas More (Utopia) ao Padre António Vieira (Clavis Prophetarum), entre alguns outros (e.g., Zamyatin, Huxley, Orwell)», resistiu à sua actualização e será apresentado, ou revelado, como se queira, por Rui Miguel Ribeiro no próximo dia 11 de Julho, às 18h30 na Livraria Tigre de Papel, na Rua de Arroios, 25 em Lisboa.
Este livro que hoje se apresenta insere-se no conjunto de uma obra artística e poética que o Carlos vem criando e que, tal como muitos de vós, pude acompanhar e em alguns casos participar.
Uma obra da qual este livro é demonstração, que não perdeu a sua potência com os anos, e que preserva uma instabilidade e uma persistência características da singularidade de um trabalho se afirma por si mesmo, plenamente autónomo na sua expressividade e por isso insurgente, dotado de uma materialidade aberta, quer em termos de forma, quer em termos dos media de que se mune para se dar a quem a recebe, conjugando diversos suportes: do texto ao vídeo, à música e à cibernética (que hoje parece uma palavra arcaica), no fundo a tudo o que é visual mas apto a ser recebido por todos os sentidos, até o 6º para quem o tiver, e até, desejavelmente, ao mesmo tempo.
Não é por isso de estranhar de que entre as várias recepções que ao longo do tempo recebeu, algumas frases me tenham ficado na memória. Tais como, por exemplo: “Mas qual é a intenção, qual é a ideia? O que é que isto quer dizer?” ou “Eu fui para Belas Artes e não percebo nada disto?” Ou seja, reacções do melhor, talvez apenas comparáveis às que John Cage teve, quando nos ínicios da década de 50 ao propôr uma obra sua para ser incluída num concerto de orquestra, teve o maestro e os chefes de naipe a dizerem-lhe “volte daqui a umas décadas, quando for tempo para isto.” Por isso, e na mesma esteira Cageana, entre mim e o Carlos tornou-se um hábito qualificar cada apresentação de uma destas obras como um fracasso bem sucedido.
Hoje tem a forma deste livro, o APOCALIPSE DE CARLOS, apresentado originalmente em 1998, como parte integrante de uma composição multimédia chamada “INUTILIDADES DOMÉSTICAS”, nos míticos Encontros com o Maldito sobre a batuta do mestre A. da Silva O, em 1998, ou seja, no século passado.
Se na época tinha como subtítulo Ensaio hoje ele vem apresentado como uma distopia sobre o presente e toda esta alteração/actualização, é um programa e ao mesmo a armadilha perfeita com que o autor nos brinda.
Um programa porque o título é sinónimo de Revelação. Ora aquele que revela tem que ter algo para mostrar, esse será o programa. Estabelecendo a sua origem antecedente àquele que por via do Novo Testamento veio a ser consagrado, o do João e muito mais popular – não esqueçamos como o jeito para o marketing foi inaugurado nas hostes católicas, desde a criação dos mercados até à invenção da obsolescência programada – o Apocalipse ou a Revelação de Carlos reconhece-lhe a inspiração, por anacronia, mas projecta a sua voz para a actualidade, e por isso, o seu anúncio estabelece uma antecipação, própria a um novo discurso.
Mas é também uma armadilha, porque logo no segundo parágrafo da nota introdutória a designação enunciada no subtítulo é posta em causa e a sal validação passada para o leitor: distopia, anti-utopia, utopia:
«Se se trata de uma distopia, de uma anti-utopia, ou mesmo de uma utopia, deixamos ao cuidado do leitor: o seu olhar, expresso nessa decisão, revelará a sua posição como observador.»
É assim, uma revelação que se coloca em causa logo no seu início e que deixa uma tarefa por cumprir a quem a ler.
A sua estrutura tem 11 partes: Visão inaugural / O trono de deus / O livro dos noventa e sete selos / Rotura dos noventa e sete selos: os cinco cavaleiros / Os eleitos / O nonagésimo sétimo selo / As três primeiras trombetas / A quarta trombeta /Os oito flagelos / Cânticos de triunfo em órbita / A cidade-suspensa.
Nelas são enunciadas as ordens e desordens, os castigos e os flagelos, as aleluias e as súplicas, desenvolvidas em torno do Cifrão, cifra totémica, vamos entendê-la, para ser adaptável às novas moedas, incluindo as crypto.
Em obediência à voz que se fez ouvir e que ordenou que se relatasse, surgem: cento e oitenta e nove Chefes de Estado, de fato e gravata, com satélites sobre as cabeças. Cinco Animais, a saber: um economista, um político, um militar de carreira; um que tinha um rosto como de um homem; e por fim um semelhante a um jornalista em pleno voo. A que se segue o Papa, dito a Besta, único capaz de quebrar os selos que põem em marcha o que nos será ditado. Por último, temos os cinco cavaleiros, seguidos de quatro senadores mais um.
«o primeiro senador tocou e rompeu-se então a camada de ozono e fogo misturado com sangue foi lançado sobre as planícies e cidades da terra e foram consumidos três quartos da terra; foram consumidas três quartos das árvores e toda a erva verde foi consumida.
Tocou o segundo senador e então incendiaram-se algumas plataformas de extração de petróleo e rebentaram os bidões radioativos no mar do Norte e, o mar tornou-se sangue. Morreram assim três quartos das criaturas que viviam no mar e três quartos dos navios foram destruídos.
E o terceiro senador tocou e a terra transpirou de calor e humidade. As colheitas perderam-se e a fome grassou. O dia perdeu um terço da sua claridade e igualmente a noite.
O sol e o ar ficaram obscurecidos com o som da [quarta] trombeta.
[…] A energia foi racionada e o fornecimento de alimentos às cidades começou a falhar. Havia vídeo e ar condicionado nas casas, mas não havia eletricidade; havia sementes, mas a meteorologia incerta aniquilava as colheitas; havia o Cifrão e o crédito ilimitado, mas não o que comprar com ele. Os mercados enchiam-se de estômagos vazios.»
É com as estas acções sobre a terra e sobre os homens que após a quebra dos selos se vê criada a máxima separação humana: A Grande Vaca, sucessão de esferas supra-terrestres para salvação dos que se contavam por centenas de milhares, entre gestores, comissários, altos secretários, empresários, deputados e artistas e, debaixo delas, a terra dos produtores-consumidores-eleitos subjugados por chips implantados que os condenam a viver mergulhados em publicidade e a ver futebol e telenovelas ou imersos nas redes sociais, na televisão e na internet, embora com fome — todos adoradores do grande Cifrão.
Este texto, como nos é dito na nota introdutória foi encontrado nas profundezas do cérebro do Carlos em 1998, há quase 25 anos. Para se revelar, precisaria que fossemos capazes de encontrar um lugar e de lhe dedicar um tempo em que cada palavra se manifestasse como uma novidade, um acto a cumprir e com ela um temor, uma ameaça que ao mesmo tempo nos pusesse em alerta e capazes de erguer uma defesa. Mas não é esse lugar nem esse tempo aquele que temos, e tudo se torna demasiado familiar quando sabemos de uma cidade chamada Davos, quando passeamos o nosso chip, quando um terço de todas as florestas na terra desapareceram e a máxima separação humana está em curso e grande velocidade, com centenas de satélites e muitas esferas em propagação. Como o Apocalipse de Carlos não situa nenhuma data, a armadilha, lançada na abertura, aquela que nos revelará a nossa posição como observador, é perfeita e absoluta, não permite nenhuma escapatória e vence toda a temporalidade, porque a posição não é a que decide uma utopia, distopia ou anti-utopia, ou seja, um bem social futuro, um mal social futuro, ou as condições que impeçam um qualquer futuro social, o que nos revela é um apocalipse que já se deu e por isso a posição de observador que nos cabe no final da sua leitura, não é outra que a daquele que se observa a si mesmo.
Rui Miguel Ribeiro
Penafiel, 25 de Junho, 2022